Para o homem que escreveu "O Crash de 2010", este seria o ano do regresso às imagens de profunda depressão equiparáveis às dos anos trinta do século XX. Agora, Santiago Niño Becerra acredita que a realidade está ainda pior e que as melhorias nos mercados financeiros são mera ficção.
Se saír da crise financeira dependesse das bolsas mundiais, o último ano tinha sido muito favorável. As acções norte-americanas subiram 46%, as europeias cresceram 48% e até as portuguesas recuperaram 36% do valor atingido no final de Março de 2009. Contudo, são os números do desemprego que contrastam com as melhorias financeiras. Na Zona Euro, a taxa de desemprego subiu dos 9,1% para os actuais 10% enquanto nos Estados Unidos o rácio de desempregados cresceu dos 8,9% em Abril de 2009 para os 9,7% que se verificavam agora em Março de 2010.
Há quem acredite que desemprego elevado é apenas um dos males que vão tomar a economia. Santiago Niño Becerra , catedrático de Estrutura Económica da universidade Ramon Llull em Barcelona e autor do livro "O Crash de 2010", é bem mais pessimista que a maioria dos organismos internacionais e os seus avisos esbarram com os anseios de investidores. "A crise, a verdadeira crise, quando rebentar, em meados de 2010 será tremenda, paralisante, uma autêntica queda a pique", lê-se no epílogo da obra do académico espanhol.
Agora, não é mais animador o cenário traçado por Niño Becerra para quem procura oportunidades no mercado de capitais. Em resposta às perguntas do Dinheiro, o autor acredita que ainda há muito caminho para as bolsas caírem e indica que a China está envolta em duas bolhas, financeira e imobiliária.
P: No final do seu livro "O Crash de 2010", prevê que a deflação, depressão e a verdadeira crise serão sentidas em 2010. Estamos mais perto desse cenário ou estamos a salvo agora?
R: A realidade permanece a mesma, está realmente pior, penso eu. Quando escrevi o livro, os problemas financeiros dos PIIGS [Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha] não pareciam tão perto. Acho que a economia mundial está a viver de forma assistida, como numa unidade de cuidados intensivos, à base de incentivos, garantias e promessas, e que muitas empresas estão a produzir para renovar inventários, mas o peso da dívida mantém-se e as possibilidades de ser paga são cada vez menores.
P: Depois de um terrível ano de 2008, os mercados financeiros, especialmente o mercado accionista, recuperaram. Pensa que isto é apenas uma brisa passageira ou julga que os riscos de colapso continuam?
R: Os mercados recuperaram porque os fizeram recuperar. Nada na economia real justifica estas subidas nas cotações. Por um lado, foi muito fácil para as instituições financeiras ir ao BCE [Banco Central Europeu] buscar fundos a 1% e adquirir mais dívida que rendia muito mais. Por outro, as expectativas criadas sobre a América Latina mudaram-se para a Europa sob a forma de aumento dos preços. Além disso, por não existirem alternativas certas, criaram-se expectativas fictícias. Os mercados, acredito, vão cair, pois é evidente que não é possível continuar a prolongar esta ficção.
P: Ainda acredita, como diz no seu livro, que as economias emergentes como China, Índia e os países da América Latina e África, serão os mais afectados pela crise de 2010? Quais são as suas previsões para estas regiões?
R: Sim, sem dúvida. A China está imersa numa dupla bolha financeira e imobiliária gigantesca, além disso, tem uma bomba-relógio: 1,3 biliões de dólares de dívida ligados a um modelo lento, pesado e corrupto. Na Índia, acho que há áreas com potencial, embora, tal como a China, depende fortemente do exterior, como a América Latina. África tem apenas commodities, nada mais, o que é extensível à América Latina. Por exemplo, a Bolívia. Se retirar o lítio e o gás, o que resta?
P: O ouro estabeleceu um recorde máximo em dólares, o petróleo tem estado a subir e algumas outras matérias-primas estão a ganhar terreno. Pensa que o pior para as commodities já passou, depois das quedas de 2008?
R: O ouro, excepto o que tem uso industrial, não é uma commodity, é um bem para especular. As cotações das commodities baseiam-se em dois parâmetros: o seu consumo e a especulação. O segundo foi manipulado, o primeiro tende a descer, para recuperar a partir de 2013. Mas um maior consumo vai juntar-se com a escassez, pelo que é expectável uma subida muito forte dos preços das commodities no médio prazo.
P: Se usássemos o seu livro com guião para o rumo da economia, deveríamos estar agora a entrar numa fase em que a crise parece inevitável, seguida de escassez de bens energéticos como o petróleo e o gás. Do que tem visto, o rumo está a ser seguido?
R: Penso que podem estabelecer-se regulações sobre a disponibilidade das matérias-primas, principalmente do petróleo.
P: Um dos sectores que parece ter sido poupado pela turbulência é o da biotecnologia. Este será um sector-chave no futuro?
R: Ainda não somos capazes de imaginar o progresso que a biotecnologia vai ter no futuro, não só no que diz respeito à medicina, mas, na indústria e na agricultura, e combinado com a nanotecnologia. Além disso, quando a crise estalar com toda a violência, os bloqueios éticos que existem actualmente desaparecerão, o que irá incentivar ainda mais o seu desenvolvimento.
P: Pensa que as questões ambientais e as alterações climáticas serão postas de parte em alguma altura? Países como Portugal estão a investir e a tentar incentivar o uso de carros eléctricos. Medidas como esta estão ameaçadas quando a crise se agravar, como escreve no seu livro?
R: O que entendo que será a mudança sistémica que virá com a crise será a adopção de uma postura baseada na produtividade e eficiência, sendo que os desenvolvimentos que se produzirem virão desse lado. O carro eléctrico, por exemplo, não resolve o problema do desperdício de recursos: um automóvel é um bem que está subutilizado. Usado por 1,1 pessoas por diadurante não mais de duas horas, é absurda a quantidade de aço, vidro, lubrificantes, têxtil e energia empregados na construção desse mesmo carro que se são subutilizados. O modelo baseado no transporte individual não é eficiente, independentemente de se mover a gasolina ou energia eléctrica. Penso que isto deve alterar-se. É dizer: vamos fazer um modelo de comunicação baseado na combinação das infraestruturas comuns de telecomunicações e o transporte colectivo. Em todos os âmbitos da economia.